A crise provocada pela disseminação do novo coronavírus – o Covid-19 – iniciada na cidade de Wuhan, na China, colocou em alerta governos em todo o mundo e trará consequência ainda imprevisíveis em diversos aspectos.
De acordo com o Ministério da Saúde, o coronavírus é uma família de vírus que causa infecção respiratória, cujo novo agente descoberto provoca a doença covid-19, transmitida por saliva, tosse, espirro ou aperto de mãos.
O surto foi reconhecido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como pandemia em 11/3/2020. No Brasil, foi sancionada a Lei 13.979/20, que já considerava a covid-19 uma pandemia e estabeleceu medidas de combate ao novo coronavírus, assim como regulamentou a entrada no país de pessoas com suspeita de contaminação.
A dispersão desse agente infeccioso por todo o planeta, além de inegavelmente impactar a saúde e até mesmo a vida de diversos indivíduos, traz também lógicos impactos econômicos, sentidos, em maior ou menor grau, em todos os países e na vida de cada um de seus cidadãos.
Nesse sentido, podemos falar, por exemplo, em diminuição da capacidade produtiva das indústrias, na restrição de funcionamento de diversos estabelecimentos comerciais e também na própria redução da capacidade geral de consumo; circunstâncias essas que certamente levarão a algumas consequências nefastas, como por exemplo a possível falência ou encerramento de empresas, o aumento do desemprego, dentre outras.
Há, ainda, evidente possibilidade de impacto nas relações privadas (ou contratos), em especial naqueles de execução continuada, como por exemplo a locação. Parece razoável imaginar que, no momento em que uma avença locatícia foi firmada, as partes contavam com uma determinada capacidade financeira para honrar com seus compromissos (no caso do locatário, essencialmente, o pagamento do aluguel); todavia, em virtude dos impactos econômicos trazidos pela pandemia, podem se ver, de uma hora para a outra, impossibilitados de honrar, total ou parcialmente, com seus compromissos.
Claramente perceptível, portanto, nesse caso, a ocorrência de conflitos decorrentes dessa nova situação, que é superveniente à assinatura da locação original, com possibilidade de ocasionar inúmeros impactos econômicos e sociais, casos esses locatários venham a ser despejados por falta de pagamento de alugueis, por exemplo. Mostra-se necessária, portanto, uma resposta jurídica e legal a essa nova realidade.
No que tange à locação urbana – aí abrangidas as residenciais e comerciais – cumpre esclarecer que já tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 1179/2020 que visa endereçar a questão nesses tempos da pandemia. Esse projeto prevê justamente a possibilidade de resilição, resolução e revisão de contratos, especificamente quanto às locações, prevê ainda a impossibilidade temporária de concessão de liminar para desocupação de imóvel em ação de despejo. É certo, porém, que tal projeto ainda não foi aprovado, o que faz com que, aparentemente, estejamos enfrentando uma situação de vácuo legislativo.
No entanto, já há dispositivos legais plenamente vigentes que podem (e devem) ser aplicáveis à readequação dessas novas realidades enfrentadas pelas partes componentes da relação locatícia, decorrentes exatamente da ocorrência da pandemia de Covid-19 – a qual pode ser inclusive denominada como exemplo clássico de situação de força maior, totalmente imprevisível, que autoriza o uso da chamada Teoria da Imprevisão.
Assim, pode-se chamar a atenção para o que dispõe o artigo 317 do Código Civil, que expressamente admite a possibilidade de correção do valor da prestação pela via judicial, sempre que sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação estabelecida contratualmente e o do momento de sua execução (ou pagamento). Trata-se de modalidade clássica de revisão contratual, a qual é perfeitamente adequável às locações que tiveram suas condições de execução modificadas por alteração na condição econômica do contratante em decorrência das consequências da pandemia.
Outro dispositivo do Código Civil que autoriza o pleito de revisão de cláusulas locatícias (mormente do valor do aluguel) em razão da situação de força maior gerada pela pandemia do novo coronavírus é o artigo 421-A, que preceitua que é possível o afastamento da presunção da paridade e simetria dos contratos civis e comerciais, na presença de elementos concretos que o justifiquem – algo mais do que justificável, pois com interdição de estabelecimento comercial por ordem do Poder Público ou mesmo redução de faturamento decorrente da menor circulação de pessoas gerada, mais uma vez, por determinação estatal (nos casos de empresas locatárias de imóvel comercial), não há a menor possibilidade de que tais locatários sigam honrando com suas obrigações no mesmo valor estabelecido em momento anterior à pandemia.
Não se pode perder de vista, ainda, que, além da possibilidade de pleitear revisão de cláusulas contratuais, o Código Civil possui dispositivos que autorizam a resolução por onerosidade excessiva, sempre que a prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa, com extrema vantagem à outra, em decorrência, novamente, de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis (artigo 478), com possibilidade, inclusive, da parte contrária evitar essa resolução, caso se disponha a restabelecer o equilíbrio contratual (artigo 479).
Todavia, considerando-se que a situação extraordinária decorrente da pandemia é transitória, parece ser mais razoável dar, nesse momento, prioridade à revisão das obrigações contratuais, conservando-se as relações jurídicas na medida do possível (até mesmo para reduzir os impactos econômicos e sociais em nosso país) e reservando a resolução por onerosidade excessiva apenas àqueles contratos irremediavelmente afetados pelos impactos decorrentes da Covid-19.
É importante destacar que a matéria ainda é recente e, por tal razão, ainda não há muitas manifestações sobre os Tribunais Brasileiros acerca do assunto; entretanto, já se tem notícia de inúmeros julgados de Primeiro Grau nos quais houve a concessão de tutelas antecipadas e/ou cautelares, sem a oitiva da parte contrária, a fim de determinar, em alguns casos, a completa suspensão do pagamento do aluguel pelo locatário por um determinado período; ou ainda, em outros, a concessão de um desconto percentual nesse mesmo lapso temporal – estabelecendo-se ainda, em ambos os casos, que os valores dos descontos deveriam ser posteriormente quitados em determinado números de prestações (numa espécie de refinanciamento dos aluguéis devidos enquanto vigorarem as medidas de quarentena e restrição de atividades em decorrência da pandemia).
O assunto é bastante novo, porém extremamente relevante; e certamente proporcionará debates enriquecedores ao longo dos próximos dias. Porém, desde já e ante todo o acima exposto, no que diz respeito aos Contratos de Locação – aqui abrangidos tanto a locação residencial (afetada no caso de um locatário que pode perder seu emprego ou ter diminuição em sua renda habitual) quanto a comercial (que pode ser afetada tanto em caso de fechamento de negócio por ordem do Poder Público – como nas lojas de shopping centers, por exemplo – quanto com a diminuição de faturamento mesmo com a manutenção das atividades comerciais, diante da menor circulação de consumidores, o que pode acontecer com os estabelecimentos das atividades tidas como indispensáveis, como por exemplo postos de gasolina, mercados, farmácias, dentre outros) – entende-se plenamente possível à parte prejudicada, em caso de não conseguir entendimento amigável com o outro contratante e havendo possibilidade de manutenção da relação contratual a longo prazo, buscar o socorro judicial, visando a obtenção da revisão equitativa das cláusulas contratuais que se tornaram excessivamente onerosas, a fim de que o equilíbrio contratual possa ser restabelecido, ainda que de forma temporária, enquanto durar a pandemia de Covid-19. Migalhas – 02/07/2020
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